um café do caralho

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Você sempre dizia que pra conquistar uma mulher, um homem tinha que saber fazer um bom café. Você sabia fazer um café do caralho. E colocava a quantidade certa de açúcar, porque a gente combinava muito no quesito formiga. Mas mesmo assim a gente não aguentava a palha italiana de capuccino inteira, porque era muito doce. Vai entender. Às vezes era só de palha italiana que a gente não entendia. Mas talvez tivesse muito mais coisa que a gente não estava conseguindo entender naquilo que a gente tinha.

Depois que você partiu, eu achei que nunca mais beberia um café tão bom, com o açúcar na medida certa. Mas acho que aprendi a fazer café sozinha, porque dessa vez não senti falta do cheiro, nem do gosto. Talvez seja muito cedo pra sentir saudades. Talvez amanhã cedo eu tenha preguiça de ligar a cafeteira. Mas consigo passar uns dias sem o seu café.

Não sei quando foi que percebi que poderia passar um tempo isso. Não lembro quando aprendi a fazer meu próprio café. Talvez nem você saiba que eu já sei fazer isso sozinha. Mas agradeço por me deixar aqui, sentada no meu canto, lendo qualquer coisa sobre magia e sentindo o gosto amargo do café com muito açúcar. Todo mundo dizia que a gente ia morrer de diabetes.

Você dizia que quando descobrisse que tinha diabetes podia se preocupar com isso. Eu te achava engraçado, sabe. Mas talvez fosse efeito do seu café, não sei. A gente nunca sabia. A gente nunca sabia de nada. Às vezes foi isso que faltou, a gente só sabia fazer café e colocar açúcar, mas a gente não mexia direito e deixava tudo ali no fundo, acumulando. Talvez tenha sido isso, sabe, a gente não é tão forte assim pra lidar com doce, nem a palha italiana a gente aguenta.

Mas a verdade, todo mundo sabe, é que você gosta de chá. Apesar de fazer um café do caralho.

De olhos bem abertos para Kubrick

Da série: coisas que adorei fazer pra faculdade. Matéria entregue para a aula de Jornalismo Cultural.

De olhos bem abertos para Kubrick

Diretor ganha ambiciosa exposição no Museu da Imagem e do Som

Imagine encontrar a bengala de um estuprador, o machado de um louco, os óculos de uma adolescente assanhada e as máscaras de um baile de orgias reunidos no mesmo espaço. Os objetos fazem parte do universo do diretor de Stanley Kubrick e podem ser encontrados na “Exposição Stanley Kubrick”, que chegou pela primeira vez na América Latina e se encontra no Museu da Imagem e do Som (MIS).

Mais de 500 itens além dos icônicos citados, como figurinos, documentos originais e fotografias recontam a trajetória de cada obra do cineasta, refletindo sua eficiência, suas manias e seu perfeccionismo com o trabalho. A exposição é divida em 16 ambientes temáticos para cada filme da carreira do diretor. Os destaques ficam por conta das salas de 2001: Uma Odisséia no Espaço, O Iluminado e Laranja Mecânica, além de De Olhos bem Fechados e Lolita, que também ganham ambientes fascinantes.

Cada sala apresenta um cenário de um filme. Na área destinada a 2001, o público entra no clarão de uma nave para encontrar um monólito e o figurino dos macacos posicionado na entrada. Os sinistros corredores do Hotel Overlook d’O Iluminado ganham vida na exposição, as portas dos quartos podem ser abertas para que os documentos e objetos sejam vistos. A sala, no entanto, não é recomendada para pessoas sensíveis. O bar que Alex, de Laranja Mecânica, e sua gangue frequentam também pode ser conferido no interior do museu, somente o leite fica em falta. As trincheiras de Glória Feita de Sangue e o alojamento militar de Nascidos para Matar também marcam presença na exposição.

Quase tudo pode ser tocado e cada espaço também é ambientado pela trilha sonora específica de cada filme, na tentativa de fazer com que o visitante mergulhe fundo na obra de Kubrick. Apesar de muito boa, a ideia é um pouco falha na prática, devido à acústica não favorável do interior do museu. Os sons às vezes se misturam e o clima pode ser quebrado. Mesmo assim, todos os ambientes são muito dinâmicos e interativos, deixando o público afundar-se por completo na trajetória do cineasta, sem deixar nada a desejar com relação à completude dos detalhes de cada obra de Kubrick. A meticulosidade do diretor se faz presente em cada carta e cada roteiro rabiscado dispostos no museu. A visita com certeza é encantadora e pode ser conferida até janeiro de 2014.

Veja mais informações sobre a exposição aqui.

Sobre tabus midiáticos

Quando saiu a matéria Machismo sem Fronteiras no jornal laboratório da PUC, pedimos um rápido depoimento para a professora Anna Felmann* sobre a cobertura que a mídia faz dos casos que vemos por aí de estupros. Um trecho de sua fala foi publicado na matéria, mas reproduzo aqui a pergunta e o depoimento completo obtido por email por achá-lo bastante pertinente, especialmente nesses tempos de Marcha das Vadias. É bom nós jornalistas refletirmos sobre nosso meio de atuação e a negligência com que é tratado o assunto da violência contra a mulher nos grandes jornais do país e é bom qualquer pessoa refletir sobre o assunto, já que quando se trata de qualquer violência contra a mulher, a vítima é sempre posta como culpada.

Por que estupro ainda é um tabu tão grande pra se tratar na mídia? E é só na grande mídia que isso acontece? A mídia alternativa abre mais espaço para assuntos mais pesados assim?

Anna: De fato, de um lado existe o silêncio em torno do estupro e isto se explica pelas inúmeras implicações de ordem familiar, psicológica e social que ele acarreta. E, por outro lado, existe a omissão da mídia em relação ao assunto.

Mesmo com todo o discurso sobre a modernidade, não nos livramos totalmente da origem pré-histórica, na qual a eterna vigilância sobre o corpo da mulher acabou gerando um tipo de família nuclear, com base na monogamia e no patriarcado.

Por mais que os discursos da mídia tentem demonstrar a emancipação das mulheres no século 21, enxergamos na omissão dessas matérias um descompasso entre o que se publica e o que de fato a mulher vivencia. A distorção é ainda mais visível em qualquer assunto tabu.

Quando divulgados, estes assuntos geralmente são tratados de forma descritiva, pouco reivindicatória, sem foco na solidariedade e no grupo. Nos poucos textos que aparecem na grande imprensa a solução está centrada basicamente no individual, no pessoal.

Se pensarmos na imprensa feminina o descaso é ainda pior e mais despolitizador. Salvo algumas exceções, as revistas contribuem para reforçar o pessoal em detrimento do social, incentivam o individualismo e o consumismo, evitando assim qualquer polêmica e ou posicionamento direto. Se estivermos de fato vivenciando tempos modernos, a descrição dos fatos e a reflexão sobre os tabus deveriam estar presentes em toda a mídia e, principalmente, neste segmento do jornalismo.

A mídia alternativa produz muito material sobre as questões de gênero e acaba sendo um importante apoio na ação direta contra a reprodução do sistema atual. Ela é capaz de democratizar alguns canais, mas não o mercado de comunicação. Creio ser necessário abrir os caminhos que dialogam com toda a sociedade. Sozinha a mídia alternativa não é capaz de reparar os estragos da grande mídia, que trabalha com alcances abusivamente maiores.

*Anna Feldmann é professora da disciplina Processos de Comunicação Alternativa e Jornalismo na PUC-SP e atual ombusmann do jornal laboratório da universidade, o Jornal Contraponto.

Machismo sem Fronteiras

Mais uma matéria escrita para o Contraponto. Essa saiu na última edição impressa, de março de 2013. Foi escrita por mim e pelas fofíssimas Lu Sudré e Marcela Millan, também estudantes de jornalismo da PUC.

Infelizmente, a pauta surgiu após diversos casos de tentativas de estupro ao redor do mundo, especialmente na Índia, nos EUA e aqui mesmo no Brasil.

Como feministas, julgamos a pauta de extrema importância e pedimos o fim da violência contra a mulher!

Machismo sem Fronteiras

Nos últimos meses, diversos casos colocaram a violência contra a mulher em evidência, gerando onda de protestos ao redor do mundo

Por Letícia Naísa, Lu Sudré* e Marcela Millan**

O machismo, a agressão e a desigualdade entre gêneros transbordam em diversos contextos, e a política e democracia não estão fora desse cenário. A “Primavera Árabe”, por exemplo, foi uma onda de protestos que se espalhou pelo Oriente Médio e norte da África, que derrubou quatro ditadores em um ano, fazendo o povo sair às ruas e lutar pela democracia. Em um movimento legítimo, a democracia e liberdade foram alcançadas por meio da massa, das mãos dos trabalhadores e estudantes, e isso é significativo para a história mundial. Porém, mesmo quando um país passa por um processo como esse, outras mazelas sociais ainda se perpetuam, compondo um problema estrutural. Independente do sistema político, seja um governo democrático representativo, um governo de direita ou de esquerda, o comportamento machista ainda existe. Luta-se pela democracia, pois todos têm direitos de votar e participar ativamente na escolha de seu governante, mas os demais direitos das mulheres, mais uma vez, são deixados à sombra da primavera, acompanhados de um debate conservador e raso, que ignora a real existência do machismo e do sexismo em muitas áreas.

Superficialmente, quando imaginamos um país como o Egito – onde o presidente Hosni Mubarak, que estava no poder havia 30 anos, renunciou dezoito dias depois do início das manifestações populares – pensamos que ele se apresentaria como um lugar onde a liberdade estaria instaurada para todos os gêneros. Infelizmente, não é bem assim. A Praça Tahrir, que se tornou um símbolo da Primavera Árabe egípcia, foi “palco” de uma tentativa de abuso sexual de uma jornalista francesa, que estava em um link, ao vivo. Com homens ao redor, ela foi coagida até sair da frente da câmera. Segundo o site espanhol “La Sexta”, mais de 80% das mulheres egípcias já sofreram abuso sexual pelo menos uma vez. A repórter dos Estados Unidos, Lara Logan, correspondente da CBS durante a caída de Murabak, afirma ter vivido uma verdadeira agonia, pois também sofreu uma tentativa de abuso sexual. “Quando me tiraram a roupa, lembro de olhar para cima e ver como estavam fotografando com seus celulares”, relatou a jornalista.

Capa da revista Foreign Policy, com o artigo de Mona

Capa da revista Foreign Policy, com o artigo de Mona Eltahawy

Em abril desse ano, José Antonio Lima escreveu uma matéria para a revista Carta Capital, cujo título era: “A Primavera Árabe vai promover o direito das mulheres?”. A matéria desenvolveu-se analisando um artigo publicado pela jornalista egípcia-americana Mona Eltahawy, na edição de maio/junho da revista Foreign Policy. O artigo, chamado “Porque eles nos odeiam?”, causou muito alvoroço entre as mulheres do Oriente Médio. Nele, Mona atribui a delicada e desigual situação das mulheres no Oriente Médio à mistura, tóxica, entre a religião e cultura, somada a uma guerra entre homens e mulheres. Segundo a jornalista, a revolução das mulheres tem de ser à parte, uma revolução particular à Primavera Árabe e isso só acontecerá quando os ditadores machistas, sejam eles cobertos por “democracia” ou não, forem derrubados. Afinal, eles são ditadores nas “mentes e nos quartos”.

A questão levantada é se o embrião de democracia, produzido pela Primavera Árabe, fará florescer no Oriente Médio os direitos das mulheres. Em seu artigo, Mona tenta comprovar a misoginia no mundo árabe com uma série de exemplos de violações cometidas contra as mulheres. Ela cita, por exemplo, a proibição das mulheres dirigirem na Arábia Saudita. Debate leis de países coniventes com violência doméstica contra as mulheres em “casos especiais” e lembra que o assédio sexual é uma prática endêmica na região. Mona cita outras violações ainda mais atrozes, como a mutilação genital, proibida, mas ainda muito comum no Egito; os “testes de virgindade”, também realizados no Egito; as permissões de casamentos entre homens adultos e meninas de 10 ou 11 anos no Iêmen e na Arábia Saudita; ou o casamentos entre vítimas de estupros e seus algozes. O jornalista José Antonio Lima conclui sua matéria afirmando que “No Egito, no Brasil, na Europa ou no Japão, a histeria e a criação de uma guerra de gêneros contribui pouco para equiparar mulheres e homens. A única maneira de fazer isso de forma duradoura, em qualquer país do mundo, é institucionalizar os direitos das mulheres e colocá-los sob a proteção de estados democráticos, longe dos ataques de quem pretende fazer a sociedade, qualquer sociedade, retroceder”. Continuar lendo

Descoberta

Sentada sobre uma longa saia rodada observo bem a moça à minha frente. Cabelos longos docemente trançados enfeitados com flores e pequenos brilhos. A franja loira ondulada caída moldando um rosto fino e branco, que exala uma vida inteira pela frente. Meus olhos correm de cima a baixo por aquele corpo. Levanto-me e me aproximo. A luz vinda da janela ainda está fraca, não consigo mais enxergar tantos detalhes. Mas a silhueta que vejo é bem definida por aquele corpete que tanto custou a conseguir entrar e por aquela saia enorme que cobre as pernas. Como será que é o reflexo das pernas?

Corro meus olhos dos pés descalços que tocam o chão frio de madeira até os olhos parados à minha frente. Olhos cor de mel, pupilas estupidamente dilatadas, cílios longos e curvos no mesmo tom claro do cabelo. Os olhos fitam todo o rosto nu. Pequenas sardas brotam nas bochechas e os olhos arregalam-se ao perceberem tal defeito. A mão sobe automaticamente à boca. Peça macia, úmida e maleável. Abro e fecho a boca com os dedos simplesmente para sentir o controle que as mãos têm sobre o resto do corpo desconhecido. Continuar lendo

Dor de amor

amor

A menina, coitadinha, chorava e soluçava num cantinho do metrô. O amigo ao seu lado tentava dizer mil palavras de consolo, mas nada que acalmasse aquele coração despedaçado. A moça que observava de longe ficou quietinha, vendo aquele chororô e lembrando-se dos últimos anos da sua vida. Vai e volta, bate-boca, sexo de reconciliação, lua-de-mel, frustrações, choros histéricos em lugares públicos, noites e noites em claro em companhia das lembranças e lágrimas infinitas.

Ah, menina levante tua cabeça, não chore assim, vá. Uma mocinha tão bonita derramando lágrimas por um moço tão babaca. Não pode não. Ele traiu, você chorou, mas já passou. Vamos lá, lave o rosto, veste uma saia Continuar lendo

Femen Brazil: Incoerência nua e crua

Essa matéria foi produzida para a edição de outubro de 2012 do Jornal Contraponto por mim e pelas minhas colegas Jacqueline Elise e Anna Gabriela Coelho. O movimento “neofeminista” Femen é uma pedra no sapato do movimento feminista de fato há algum tempo, por isso levamos a pauta ao jornal.

Como o espaço era um pouco limitado, ficaram faltando algumas coisas importantes na matéria, como o caso da ex-número 2 do grupo, Bruna Themis, que largou o Femen e deu uma entrevista polêmica para o Opera Mundi sobre o assunto, e alguns dos últimos protestos.

Incoerência Nua e Crua

Movimento que se afirma como “neofeminista” ganha destaque no Brasil devido a posicionamentos e declarações preconceituosas e contraditórias

Por Anna Gabriela Coelho*, Jacqueline Elise** e Letícia Naísa

Com os seios à mostra, coroa de flores na cabeça, cartazes nas mãos e o resto do corpo pintado, um pequeno grupo de mulheres chama atenção em meio à correria paulista no vão do Museu de Artes de São Paulo (MASP). Elas são brancas, jovens e atraentes. Estão protestando por alguma coisa que deveria ser importante, mas a nudez gratuita parece mais interessante do que qualquer pauta feminista. Aliás, essas moças são o contrário da imagem que muita gente tem das feministas. Lideradas por Sara Winter, as manifestantes do Femen se consideram pioneiras em uma nova forma de fazer feminismo, batizando-se de “neofeministas”.

Tanto o termo “neofeminismo” quanto a presença do grupo em atos públicos causaram estranheza em diversas frentes feministas: a atenção dada pela imprensa à essas mulheres e o espaço cedido às participantes do movimento para se declararem e se posicionarem deu a impressão que Sara Winter e suas companheiras são as únicas representante do feminismo no país. Criou-se então uma grande tensão entre militantes e coletivos e o Femen Brazil (o nome do país é escrito em inglês), clima que se intensificou com a descoberta de histórias estranhas do passado de Winter, as reais intenções do Femen e como ele se organiza. Entretanto, para entender como o Femen Brazil funciona é preciso olhar para suas raízes na Europa.

O primeiro Femen

O movimento surgiu originalmente em Kiev, capital da Ucrânia. O país é um dos mais conhecidos pela prática de turismo sexual, apesar da prostituição ser considerada ilegal. Para combater esta situação, principalmente durante a Eurocopa deste ano (época em que as prostitutas se preparam para receber mais clientes e diversos sites oferecem “serviços especiais” aos turistas), a ucraniana Inna Shevchenko e suas seguidoras chamaram a atenção para o Femen, grupo criado em 2008 por Anna Hutsol, com o objetivo de protestar contra a prostituição e o turismo sexual. Para dar destaque à causa, as ativistas se mostram sem blusa e com frases de impacto que resumem a ideologia do grupo, criticando o patriarcado e suas consequências. Para elas, a nudez serve como um modo de chocar as pessoas.

Imagem faz alusão ao "sextremism" do Femen, mostrando uma violência direta aos homens, uma contradição para diversos grupos feministas (Foto: Femen.org)

Imagem faz alusão ao “sextremism” do Femen, mostrando uma violência direta aos homens, uma contradição para diversos grupos feministas (Foto: Femen.org)

O Femen Ucrânia também apresenta algumas posições polêmicas, como em relação à prostituição. Em entrevista à revista norte-americana Dazed & Confused, em agosto de 2012, Inna Shevchenko declarou que, em seu país, “não é permitido à mulher que ela tenha uma posição. É por isso que você precisa entender que a indústria do sexo e a prostituição não têm conexão com a opinião das mulheres e suas escolhas. Porque não é uma indústria de mulheres, é uma indústria de homens, de chefes do sexo, e mulheres neste negócio somente são um instrumento para ganhar dinheiro e nada mais.” Esta afirmação mostra uma afinidade do grupo com o feminismo radical, que enxerga Continuar lendo

Violência sai da tela e mata

Diante do ataque ocorrido em Colorado durante uma sessão do último filme do Batman, eu e minha amiga Jacqueline Elise escrevemos a seguinte matéria para a edição de setembro do jornal Contraponto.

Na época da publicação, não se pensava em acusar a cultura de armas e a venda desenfreada de armamento nos EUA como causa desse tipo de violência. A culpa era sempre atribuída aos videogames violentos, a filmes e toda a indústria de entretenimento. Depois do último ataque ocorrido numa escola em dezembro, o presidente Obama resolveu reavaliar o comércio de armamento dentro do território estadunidense, criando um novo pacote de medidas para controlar a venda de armas.

A cultura de armamento presente nos EUA vem de muito tempo. Os cidadãos realmente acreditam que é de direito de cada um ter uma arma para se proteger contra possíveis invasores ou ameaças, tudo por uma questão de segurança. Pode soar besta, mas existe um episódio de South Park que ilustra muito bem esse clima de tensão que se instaura a partir do momento em que uma população inteira estiver armada.

Além disso, o filme de Michael Moore sobre o atentado em Columbine, “Tiros em Columbine”, ilustra muito bem como funciona a indústria e a cultura de armamentos nos EUA.

Nesse contexto, escrevemos essa matéria, que merecia uma boa atualização graças aos últimos acontecimentos relacionados à lei de armamento. Mas por hora, fiquem com a matéria produzida em setembro. Espero que gostem.

Show de horrores: Violência sai da tela e mata

Tiroteio em cinema no Colorado (EUA) traz à tona o debate sobre a influência dos meios de entretenimento em crimes

Por Jacqueline Elise* e Letícia Naísa

Como se a morte fosse uma brincadeira inocente, o jovem James Holmes de 24 anos entrou em um cinema lotado em Aurora, Colorado, durante a estréia do filme Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge e atirou contra a platéia no dia 20 de julho de 2012. Aparentemente, James era fã da saga e se identificava com o vilão, o Coringa. Após a confirmação de 12 mortes e 59 feridos, seu ato tornou-se motivo de choque e indignação ao redor do mundo, e sua imagem foi amplamente reproduzida em jornais e revistas. Assim como James, outros casos como o tiroteio de Aurora ganharam notoriedade pela frieza e indiferença de seus executores e a relação com o entretenimento que eles Continuar lendo

Aborto não se discute?

Quando o STF aprovou a legalização do aborto em casos de anencefalia, eu escrevi essa matéria. Achei uma grande vitória para o movimento feminista e para o movimento de legalização do aborto em geral.

Fiz duas versões pra essa matéria, uma saiu na edição de junho de 2012 do Contraponto e a outra foi publicada na Agência Online Maurício Tragtemberg (Agemt.org). Reproduzo aqui a versão online da matéria. Foi a primeira que fiz completamente sozinha, por isso tenho carinho pela pauta. Como feminista, o assunto muito me interessa, então foi uma matéria também feita com prazer.

Aborto não se discute?

Foi aprovada a descriminalização do aborto em casos de fetos anencéfalos pelo
Supremo Tribunal Federal, que intensificou o debate sobre o direito da mulher sobre o
seu próprio corpo

Por Letícia Naísa

A pauta do aborto nunca sai do status de polêmica e sempre gera duas reações: o mais puro silêncio ou a mais agitada discussão. O movimento “pró-vida” é defensor da dignidade e da vida humana, acredita que a vida começa a partir da fecundação e, portanto, condena o aborto. Já os chamados “pró-escolha” defendem que a decisão de seguir uma gravidez e trazer uma criança ao mundo cabe somente à mulher que o carrega. A grande batalha entre esses dois setores vira guerra quando o feto em questão não tem grandes chances de sobreviver, como nos casos de anencefalia, que, de acordo com a explicação do Dr. Wladimir Taborda, médico consultor da Secretaria da Saúde, “é uma anomalia caracterizada pela ausência de hemisférios cerebrais e da parte superior do crânio. É um defeito resultante da falha no fechamento do tubo neural do embrião”.

O Supremo Tribunal Federal decidiu pela descriminalização do aborto nesses casos de incompatibilidade. A questão foi colocada em pauta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) e debatida em duas sessões do Supremo até a aprovação final. Participaram das sessões Continuar lendo

Uma outra Revolução

Essa matéria também foi produzida para o Jornal Contraponto, para a edição especial de 2011 (Opressões e Revoluções) junto com o Rafael Albuquerque.

Foi uma matéria produzida ao som de Beatles, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Chico Buarque, Caetano Veloso e tantos outros que marcaram tempos de revolução no meio cultural. Foi a matéria que me apresentou Jack Kerouac, Tom Wolfe, Truman Capote, Hunter Thompson, e tantos outros Novos Jornalistas que me deixam apaixonada pela escrita.

Uma outra Revolução

Os movimentos dos anos 1960 que marcaram história no mundo inteiro e influenciaram muitas outras revoluções.

Por Letícia Naísa e Rafael Albuquerque*

“Não confie em ninguém com mais de 30 anos”. Esse era um dos lemas da geração de jovens que perderam seus pais na Segunda Guerra Mundial, suas casas e, nos anos 1960, com o mundo bipolarizado e na iminência de uma possível terceira grande guerra, decidiram mudar o mundo pregando ideias de liberdade, paz, amor, a busca de uma percepção e estilo de vida através do uso de drogas, do sexo livre, da música, da moda, da pintura, da literatura e diversas outras áreas da cultura, além do ativismo político, de manifestações na rua, passeatas e festivais. O mais famoso foi o Woodstock, que aconteceu em 1969 e contou com Janis Joplin, Grateful Dead, The Who, Joan Baez, Jimi Hendrix, entre outros ícones do movimento hippie. A agitação ficou conhecida como contracultura, já que pregava ideias completamente opostas aos costumes e sistema vigentes na época.

Apesar de ser um ponto bem situado na história cultural e comportamental do século XX, o pensamento da criação artística e filosófica de rejeição ao poder hegemônico não tem sua gênese na década da Guerra do Vietnã. De acordo com Guilherme Kujawski, curador de exposições do centro Itaú Cultural, é possível afirmar que desde o século XVII já existia uma classe de artistas composta por jovens que tinham o anseio, a vontade de cortar as amarras com tradições já enraizadas, como a família, a igreja e todo o tipo de hierarquia que atingia e privava a população como um todo, “mas nos anos 1960, lógico, houve uma, vamos dizer assim, uma afirmação maior nesse sentido com a guerra do Vietnã, o movimento hippie”, afirma.

De toda forma, é inegável que a arte subversiva passou – e continua passando – por um processo de evolução durante as décadas seguintes, adquirindo cada vez mais um caráter de protesto. A ideia de que fazer arte é fazer política tornou-se, gradualmente, mais difundida e posta em prática.

Já para o professor Marcus Bastos da PUC-SP, “no fundo a contracultura é isso, uma emergência da cultura juvenil, que ela é localizada, em especial, nos anos 1950, e intensificou nos anos 1960 e primeiro nos EUA e depois espalhado no mundo”. Ele explica que no começo, eram focos diferentes que começaram a ganhar uma atenção maior devido à popularização da música jovem, das drogas, do contexto político da época. Foi uma aceleração da vida contemporânea, “a urbanização começa a ficar mais intensa e rápida, não existia o tal conflito de gerações, e talvez nem mesmo essa noção que nós temos hoje de juventude, porque o mundo demorava tanto pra mudar, que não dava tempo de você ter divergências em relação aos seus pais, por exemplo. Era mais a coisa da continuidade”.

No Brasil, os primeiros passos de um agito cultural crítico da sociedade burguesa surgiram com as vanguardas artísticas do início do século XX, que se Continuar lendo