Essa matéria foi produzida para a edição de outubro de 2012 do Jornal Contraponto por mim e pelas minhas colegas Jacqueline Elise e Anna Gabriela Coelho. O movimento “neofeminista” Femen é uma pedra no sapato do movimento feminista de fato há algum tempo, por isso levamos a pauta ao jornal.
Como o espaço era um pouco limitado, ficaram faltando algumas coisas importantes na matéria, como o caso da ex-número 2 do grupo, Bruna Themis, que largou o Femen e deu uma entrevista polêmica para o Opera Mundi sobre o assunto, e alguns dos últimos protestos.
Incoerência Nua e Crua
Movimento que se afirma como “neofeminista” ganha destaque no Brasil devido a posicionamentos e declarações preconceituosas e contraditórias
Por Anna Gabriela Coelho*, Jacqueline Elise** e Letícia Naísa
Com os seios à mostra, coroa de flores na cabeça, cartazes nas mãos e o resto do corpo pintado, um pequeno grupo de mulheres chama atenção em meio à correria paulista no vão do Museu de Artes de São Paulo (MASP). Elas são brancas, jovens e atraentes. Estão protestando por alguma coisa que deveria ser importante, mas a nudez gratuita parece mais interessante do que qualquer pauta feminista. Aliás, essas moças são o contrário da imagem que muita gente tem das feministas. Lideradas por Sara Winter, as manifestantes do Femen se consideram pioneiras em uma nova forma de fazer feminismo, batizando-se de “neofeministas”.
Tanto o termo “neofeminismo” quanto a presença do grupo em atos públicos causaram estranheza em diversas frentes feministas: a atenção dada pela imprensa à essas mulheres e o espaço cedido às participantes do movimento para se declararem e se posicionarem deu a impressão que Sara Winter e suas companheiras são as únicas representante do feminismo no país. Criou-se então uma grande tensão entre militantes e coletivos e o Femen Brazil (o nome do país é escrito em inglês), clima que se intensificou com a descoberta de histórias estranhas do passado de Winter, as reais intenções do Femen e como ele se organiza. Entretanto, para entender como o Femen Brazil funciona é preciso olhar para suas raízes na Europa.
O primeiro Femen
O movimento surgiu originalmente em Kiev, capital da Ucrânia. O país é um dos mais conhecidos pela prática de turismo sexual, apesar da prostituição ser considerada ilegal. Para combater esta situação, principalmente durante a Eurocopa deste ano (época em que as prostitutas se preparam para receber mais clientes e diversos sites oferecem “serviços especiais” aos turistas), a ucraniana Inna Shevchenko e suas seguidoras chamaram a atenção para o Femen, grupo criado em 2008 por Anna Hutsol, com o objetivo de protestar contra a prostituição e o turismo sexual. Para dar destaque à causa, as ativistas se mostram sem blusa e com frases de impacto que resumem a ideologia do grupo, criticando o patriarcado e suas consequências. Para elas, a nudez serve como um modo de chocar as pessoas.
O Femen Ucrânia também apresenta algumas posições polêmicas, como em relação à prostituição. Em entrevista à revista norte-americana Dazed & Confused, em agosto de 2012, Inna Shevchenko declarou que, em seu país, “não é permitido à mulher que ela tenha uma posição. É por isso que você precisa entender que a indústria do sexo e a prostituição não têm conexão com a opinião das mulheres e suas escolhas. Porque não é uma indústria de mulheres, é uma indústria de homens, de chefes do sexo, e mulheres neste negócio somente são um instrumento para ganhar dinheiro e nada mais.” Esta afirmação mostra uma afinidade do grupo com o feminismo radical, que enxerga Continuar lendo